18 de outubro de 2013

Goa




A minha ideia quando cheguei a Calcutá era tratar do visto para o Bangladesh, fazer a tal conferencia de imprensa que o cônsul tinha planeada e partir para Dhaka, capital do país vizinho, onde deixaria a moto estacionada por um mês para vir à Europa fazer um trabalho que tenho programado. Só que entretanto, no consulado do Bangladesh recusaram-se a dar-me um visto de duas entradas, de maneira que tive que deixar a moto em Calcuta e, como ainda tinha uns dias até apanhar o avião que estava marcado do Dubai para Portugal, vim até Goa que fica a caminho e não tinha tido a hipótese de visitar de moto.
Cheguei já de noite e instalei-me na Pangim Inn, que me tinha sido recomendada pelo cônsul local, este português.
Goa não tem nada a ver com o norte da Índia. Há muito menos lixo nas ruas e as estradas estão em bom estado.
No dia seguinte de manhã tratei de alugar uma “scooter” e fui explorar a região.
Com pouca coisa que visitar em Panjim, comecei por ir até Velha Goa. Não tinha percorrido dois quilómetros fora da cidade quando fui mandado parar pela polícia.
- “your licence, please”
- “your nationality”?
- “Portuguese”
- “Ah. Fala Português”? diz-me o polícia com pronuncia de inglês radicado no alentejo.
- “Sim”
- “What does it mean, sim”?
- “Yes”
- “Ah. Very well. Bacalhau. Ha, ha. You may go”
Em velha Goa, como em todo o lado na Índia, tudo o que são monumentos estão muito mal conservados. O velho palácio dos Governadores já não existe porque, ainda no século IXX os dirigentes portugueses decidiram-se mudar para o Palácio do Cabo, junto ao mar, e acabaram por destruir aquele para utilizarem parte do material para construírem o novo. Tanto a enorme Sé, a maior igreja na Ásia, como a Basílica do Bom Jesus, onde está o tumulo de S. Francisco Xavier, estão em bastante mau estado e a coleção de quadros dos governadores e vice reis portugueses, instalada no Museu Arqueológico, foi restaurada por curiosos que transformaram os dirigentes portugueses numa espécie de bonecos mascarados.
Interessante é a frase que estava na estátua de camões, originalmente edificada pelos portugueses em 1960, um ano antes de serem expulsos do território e agora recolhida no mesmo museu dos governadores: “Camões, o génio da pátria pelo mundo em pedaços repartida. Oferta de Portugal da Índia à Índia de Portugal”.
Curioso é também verificar que, mesmo no tempo dos Filipes, entre 1580 e 1640, estes nomeavam governadores portugueses e mesmo vice reis para tomarem conta dos territórios portugueses na Índia. Foram perto de duas dezenas, nesse período.
No dia seguinte viajei para sul na “scooter”, rumo às praias de Miramar e Dona Paula. Do meio do nada surge um imponente mas bem enquadrado na paisagem Hotel Hyatt onde parei para almoçar, junto à piscina. Turistas Americanos a almoçarem em tronco nu tinham ar de quem vinham passar uma semana à Índia sem saírem do Hotel. Fiquei depois a ler num dos sofás do jardim sobre a praia, com o calor temperado por uma ligeira brisa vinda do mar. Por ali fiquei até às cinco da tarde antes de regressar a Panjim.
Ontem fui para Norte, a parte mais turística de Goa. Visitei o forte dos Reis Magos, restaurado há dois anos mas já a começar a dar sinais de pouca ou nenhuma manutenção e o forte da Aguada, mais a norte. Não tinha ideia que os portugueses, desde o Afonso de Albuquerque, foram construindo várias fortificações ao longo da costa, desde Goa até Damão e Diu, passando por Bombaim, que acabou por ser oferecida aos ingleses como dote dum casamento real. Assim, o território por nós ocupado no século XVI não se limitava às quatro cidades mas incluía uma enorme zona costeira.
Sigo agora para Portugal, através do Dubai, para regressar a Calcutá no final do mês, antes de partir para o Bangladesh.

14 de outubro de 2013

Calcuta 2




Calcutá é uma cidade com 12 milhões de habitantes que no tempo do Império Britânico foi capital da Índia. Tem um movimento louco, como seria de esperar, com um grave problema de poluição, que sentimos ao andarmos pela rua, mesmo se tem uma importante área de jardins e espaços verdes que ajudam a desagravar a situação
Uma das causas é o facto de os táxis, que representam cerca de 25% da circulação automóvel, serem todos Austin Ambassador, um modelo dos anos 50 que continuou a ser fabricado aqui, com um motor diesel de 1500 c.c. que obviamente não tem qualquer espécie de catalisador. Como curiosidade refira-se que o programa Top Gear o classificou como “best taxi in the world”
Outro ponto interessante é que embora o carro tenha uma tecnologia muito ultrapassada com muitos deles ainda sem direção assistida, os taxistas aqui aplicam-lhes um sistema manual de “stop and go” ou seja, de cada vez que param num sinal, para pouparem gasóleo, desligam o carro e voltam a dar à chave quando o sinal muda para verde. Ainda bem que o fazem pois na prática, ao final do dia, é certamente uma quantidade significativamente inferior de CO2 que é lançada para a atmosfera. De qualquer forma a partir de 2011 foi proibido serem vendidos para taxi, embora continuem a ser fabricados para particulares. Só que duram tanto que, mesmo os vendidos nos anos 50 ainda circulam, e não vemos outro tipo de táxis nas ruas senão estes.
Depois de três noites no “Swimming Club”, embora bem instalado, disse ao cônsul que queria mudar para um Hotel por ali não haver internet. Ele sugeriu que mudasse para outro clube, onde estava programada a apresentação da minha viagem à imprensa. Mudei-me então para o “The Bengal Club”, um clube chiquíssimo, fundado pelos ingleses em 1824 e que só tem sócios indianos desde a independência. Estou instalado numa enorme “suite” e as únicas desvantagens são que a estadia custa o dobro do “Swimming Club” e não se pode ir ao restaurante ou bar de jeans o que me parece bem mas me causa um certo problema pois só vim equipado com três pares de jeans e umas únicas calças brancas que estavam mais perto do preto. O que vale é que como tenho direito a um criado particular pedi-lhe que tratasse de me mandar lavar roupa e engraxar o único par de sapatos, para ficar em estado de me apresentar no excelente restaurante do clube.
Entretanto tive que tratar do visto para o Bangladesh a aproveitei também para fazer turismo. Fui visitar o Victoria Memorial, um monumento emblemático da cidade, construído pelos ingleses no início do século passado em memória da sua Rainha Victoria, que morreu em 1901 e St. Paul’s Cathedral.
Fiquei mais impressionado com a extraordinária coleção de obras de arte na casa de um antigo Raja, ainda pertencente à família. Com as paredes interiores em mau estado e um pátio central que já terá sido exuberante mas agora tem uma rede a tapar a entrada de pássaros e, no claustro, gaiolas sujas e com mau aspecto que albergam diversas espécie de pássaros e papagaios, a fantástica casa tem estátuas gregas de valor superior às de muitos museus, enormes potes da China e uma coleção de pinturas que inclui um Rubens de três metros por dois. Tudo isto em salões com  chão em fantástico mármore italiano e candelabros fenomenais em cristal.
A apresentação à imprensa que o cônsul organizou no clube correu lindamente e para além da imprensa local apareceram também os presidentes de diversos clubes automóveis  e vários elementos do clube Harley Davidson. As motos americanas começaram a ser vendidas na Índia em 2010 e têm feito enorme sucesso, embora ainda não tenha visto nenhuma a circular nem veja como é possível andar de Harley fora das cidades.

11 de outubro de 2013

Calcuta




Hoje saí do Hotel em English Bazar às dez da manhã com o termómetro da moto a marcar 38º. Antes de sair liguei ao cônsul de Portugal em Calcutá a dizer que chegava nesse dia. O embaixador em Delhi tinha-me posto em contacto com ele e o cônsul honorário, um empresário indiano, propôs-se organizar uma conferencia de imprensa quando da minha passagem por Calcutá. Pedi-lhe se me recomendava um Hotel bom mas não muito caro e ele sugeriu marcar um quarto para mim num clube de que ele era sócio. Achei a ideia interessante e aceitei. Com cerca de 350 Km para percorrer disse-lhe que deveria chegar por volta das seis da tarde, já a dar uma margem para imprevistos. Afinal os meus cálculos pecaram por demasiado optimismo.
Passadas duas horas em que só parei para pôr gasolina não tinha percorrido mais de 60 Km. O problema não era só o transito mas também o estado da estrada, muito degradada. Pelo caminho parei numa oficina de motos de aldeia, daquelas feias e sujas para recolocar dois parafusos de fixação do vidro da moto. O esforço das suspensões é enorme e a da frente esquerda começou a perder óleo.
Com o calor que tem estado costumo andar com o blusão mas sem as calças e botas do fato porque além disso, à exceção de uma chuva leve no Butão, o tempo tem estado seco. Só que hoje o céu começou a ficar escuro e, de repente, uma carga de água abateu-se sobre mim, daquelas que ensopam jeans e sapatos em dez segundos. Parei para me abrigar por debaixo de uma barraca à beira da estrada onde um rapaz vendia copos de chá com leite. O aspecto do local era terrível de maneira que me limitei a sentar-me num banco corrido onde o dono mandou abrir espaço para mim, sem me atrever a provar o chá. Deviam estar uns quinze homens naquela barraca de um metro por quatro onde parte do espaço era ainda ocupado pelo fogão a carvão que aquecia água e leite. Quando a chuva abrandou troquei os jeans pelas calças do fato, enfiei as botas e fiz-me de novo à estrada. Pensava que iria passar o resto do dia debaixo de chuva mas não tinha rodado um quilómetro quando um risco na estrada separava aquela parte encharcada de uma totalmente seca. Acabou por ser assim o resto do dia: chuva torrencial acompanhada de raios e trovões fortíssimos, alternada com tempo seco e quente. Pelo meio parei para almoçar um sumo de manga e, como de costume, reuniu-se um grupo dos que vão crescendo a cada minuto que passa, para observarem a moto.
Tinha esperança que o estado da estrada fosse melhorando ao aproximar-me de Calcutá, cidade que foi capital da Índia no tempo do Império Britânico, mas buracos enormes e transito caótico mantiveram-se ao longo do dia. Anoiteceu quando estava a cinquenta quilómetros da cidade e voltei a ter que circular em condições muito complicadas em que não vemos buracos da estrada nem a quantidade enorme de veículos que circulam sem luzes. Entrei na cidade pelas sete da tarde. Parecia que tinha acabado uma prova de todo o terreno, depois de nove horas a levar pancada em cima da moto.
Dentro da cidade a situação melhora porque, embora esta seja uma das mais populosas da Índia, com 12 milhões de habitantes e um transito obviamente caótico, sempre vemos por onde andamos e quem circula à nossa volta. Para chegar ao escritório do cônsul, no centro da cidade, demorei mais hora e meia. Ele já tinha saído mas um dos seus empregados foi num carro à minha frente até ao clube.
Este clube onde estou instalado é um “Swimming Club”, com duas piscinas olímpicas, uma exterior e outra interior e alguns quartos para sócios e convidados que ficam num primeiro andar, com as portas a darem para um patamar suspenso sobre a piscina interior. Um clube à antiga, certamente montado pelos ingleses. Tomei um duche e fui jantar ao óptimo restaurante. Dormi nove horas. 

9 de outubro de 2013

English Bazar




Ontem à noite, depois de reparar a maneta da embraiagem da “Cross Tourer”, perguntei no concessionário qual era o melhor Hotel local e como a cidade já tinha uma certa dimensão o Hotel era bom. O desastre do dia anterior não estragou mas moeu e estava precisado de um bom duche e uma cama limpa e confortável. Como tinham internet, embora muito lenta, acabei por me deitar tarde e hoje acordei só às dez e meia. Saí duas horas depois em direção a Calcutá mas sabia que não faria mais de 300 Km, devido ao estado das estradas.
A estrada ao longo do dia foi quase toda de mau piso mas pelo meio ainda apanhei uns 50 Km de auto estrada, se é que se lhes pode chamar isso a estas vias com separador central mas onde circulam não só motos ,carros e camiões como peões, “rickshaws” a motor e a pedal, bicicletas, tratores agrícolas, carroças e todo o tipo mais de veículos que possamos imaginar. É suposto andarem todos no mesmo sentido mas alguns andam no sentido inverso com o à vontade de quem roda na sua faixa. Para além disso temos vendedores de fruta na berma, crianças que voltam da escolar de bicicleta e vacas a pastar no separador central ou simplesmente deitadas a descansar na via. Com tudo isto têm portagens, embora as motos estejam isentas.
Pelas quatro da tarde parei junto a um vendedor de fruta para almoçar três bananas e, como de costume, rapidamente se reuniu uma multidão de volta da moto.
Pretendia chegar a meio do caminho de Calcutá para amanhã ir até lá mas, com pouco mais de 200 Km percorridos começou a anoitecer. Perguntei numa vila se havia algum Hotel mas aconselharam-me vivamente a não ficar lá e que fosse antes até English Bazar, uma cidade já com uma certa dimensão mas a 80 Km de distancia. Fiz-me à estrada mas arrependi-me. Circular à noite na Índia é uma loucura ainda maior do que a nossa mente possa imaginar. O problema é que continuam todos na estrada, com os camiões a virem de frente direitos a nós, que temos que sair para a berma, porque não querem desperdiçar aquela oportunidade de ultrapassagem, todo o tipo de veículo em sentido contrário e…. muitos deles sem luzes. Atrás então é muito raro o camião que as tem a funcionar. Pelas sete e meia da noite lá cheguei a English Bazar onde encontrei um Hotel minimamente decente mas sem Internet, como de costume.
Ainda em relação ao desastre de ontem eu estava consciente, quando me meti nesta aventura, que haveria de ir uma ou outra vez ao “tapete”. É muito pouco provável isso não acontecer numa viagem destas e estou certo que este acidente não foi o ultimo. Espero é que as consequências não sejam mais que estas.

5 de outubro de 2013

Siliguri




Tough day.
Navegar nesta terra não é fácil. Quando cheguei à conclusão que o GPS aqui servia apenas de bússola, quando muito, pois o país não está digitalizado, tentei arranjar um mapa de estradas da Índia, para me tentar orientar. Não encontrei uma loja que vendesse um mapa e depois comecei a perceber que um mapa também não me serviria de nada pois eles não só não têm os nomes das terras indicados à entrada e saída das vilas e cidades como muito raramente têm indicações de direções de povoações ou distancias. As próprias ruas também não têm nomes e as estradas quase nunca marcos com números.
O que acontece é que os Indianos não viajam de carro e muito menos de moto. Os carros e as motos de 125 ou 150 c.c. são para percorrer distancias curtas em trajetos que conhecem. Quando têm que viajar para mais longe vão de comboio ou camioneta de passageiros. Quando raramente fazem uma viagem de carro utilizam o mesmo sistema que adoptei, que consiste em escrever os nomes das cidades e vilas por onde têm que passar para chegar a um determinado destino e perguntar aos populares como se chega à vila seguinte. Normalmente vejo o trajeto no “google maps” mas já me aconteceu adoptar o sistema deles e perguntar a alguém que saiba, os nomes das vilas por onde tenho que passar.
O trajeto de hoje levar-me-ia a entrar no Bangladesh pelo norte do país.
A aldeia junto à floresta da “Buxa Tiger Reserve” onde tinha ficado, estava a cerca de 100 Km da fronteira. Arranquei por uma estrada interior que me indicaram no Hotel pelas dez da manhã mas passadas duas horas a rodar no meio de um transito infernal através de vilas e aldeias não tinha percorrido mais de 70 Km. até que me indicaram uma estrada para a fronteira com o Bangladesh com muito pouco movimento. Estranhei porque estas fronteiras têm normalmente muito transito, principalmente de camiões. Quanto mais me aproximava da fronteira mais a estrada estreitava e o tráfego diminuía, até que parei junto a uma barraca onde vendiam bebidas para comprar uma água. Venderam-me uma garrafa de água morna porque, embora estivesse dentro dum frigorifico, não tinham eletricidade e confirmaram que estava a caminho da fronteira com o Bangladesh, que não distava mais de dois ou três quilómetros. Arranquei e, depois de uma ponte, a estrada estreitou ainda mais e passou a ser de terra. Pensei que iria entrar no país por uma fronteira recôndita e não me pareceu má ideia. Não tinha percorrido mais de um quilómetro na estrada de terra quando um militar de espingarda ao ombro,  que estava à porta de um quartel à beira da estrada daqueles tão rudimentares que só tinha visto nos filmes, me deu um grito e me mandou ir ter com ele. Pediu que estacionasse a moto junto a uma banca com o tecto em colmo à porta do quartel e que esperasse. Como não se passava nada decidi tirar umas fotografias à moto junto aquele quartel tão pitoresco e ouvi então um segundo grito, desta vez vindo de uma cabana dentro do perímetro do quartel: “No photos, no photos”
Passado um minuto apareceu outro guarda que me pediu que o acompanhasse ao comandante. O comandante do quartel parecia ter sido tirado de um filme do Indiana Jones. Com os seus quarenta e poucos anos tinha ar de “tough playboy”, com uma barba curta e o cabelo comprido apanhado dentro dum boné da tropa, que o segurava. Era simpático e falava bem Inglês. Educadamente perguntou-me o que fazia ali, de onde era e para onde pretendia ir. Nessa altura reparei que quatro militares me tiravam o que primeiro pensei serem fotografias e depois percebi ser filme, dois deles com telemóveis e dois outros com câmaras. Como na Índia tem sido habitual tirarem-me fotografias a toda a hora comecei por fazer pose, tipo sorriso nº5 e só depois percebi que eles estavam simplesmente a cumprir a ordem de me filmarem a responder ao inquérito. O comandante explicou-me que aquela era uma fronteira muito restrita e que eu teria que voltar atrás e ir a uma outra 80 Km a sul. Agradeci a informação, despedi-me do personagem e parti em direção à moto. Só que os quatro militares continuavam a filmar todos os meus movimentos enquanto um deles me repetia algumas das perguntas que o comandante me tinha feito e outro me dizia que tinha que apagar as fotografias que tinha tirado. “Sim, sim, eu depois apago” E ele voltava a repetir que tinha que apagar as fotografias. Até que, quando me preparava para montar na moto, com todos aqueles “cameramen” improvisados à minha volta, ele insistiu. “Não. Tem que apagar, agora. Já”. Não tive outro remédio senão cumprir a ordem, com a operação a ser também documentada em filme, para arquivo do quartel.
Lá acabei por arrancar para a outra fronteira através de uma estrada razoável. Quando lá cheguei eram três da tarde e depois de passar as filas de muitas dezenas de camiões cheguei à barraca onde estavam instalados os oficiais da alfandega Indiana. Como não tinha visto para o Bangladesh não me deixaram passar, por mais que insistisse que trataria dele na fronteira. Disseram que teria que ir a Calcutá, 600 Km para sul, ao consulado do Bangladesh na cidade.
Sem alternativa deixei a segunda fronteira do dia sem a conseguir passar.
Agora seguia por uma estrada terrível, idêntica à que tinha apanhado à saída do Nepal, em terra muito esburacada e com grande movimento de camiões. São estradas muito perigosas pois os camiões tanto para tentarem desviar dos buracos como de outros camiões que vêm em sentido contrario nas faixas que deveriam ser deles, andam constantemente a varrer a estrada, da esquerda para a direita e vice versa. Na outra estrada à saída do Nepal vi a vida mal parada duas ou três vezes mas agora aconteceu mesmo o que estava à espera mais dia menos dia. Um dos camiões encostou-se todo à direita, não percebi por que razão e quando o ia a passar pela esquerda, guinou para cima de mim sem me deixar estrada. Deu-me uma pancada de lado com que voei para fora de estrada, eu e a moto, aos rebolões por um barranco.  Tive sorte pois não me magoei nada e a pobre “Cross Tourer” partiu os suportes das malas, que saltaram fora, e a maneta da embraiagem. Podia ter sido muito pior. Dois metros à frente teria batido forte contra uma árvore. O homem parou assustado e da parte de trás do camião saltaram mais três que me ajudaram a colocar a moto de volta na estrada.
Depois de recolocar as malas no sítio, apoiadas nos suportes que restavam, voltei a arrancar por aquele pesadelo de estrada, a caminho da próxima cidade. Tive que fazer mais setenta quilómetros com um coto como maneta de embraiagem o que foi duro pois nestas estradas temos que passar muitas vezes de caixa e por várias vezes tive que pôr primeira para passar por buracos tão fundos que a moto, que é alta, batia com a parte de baixo no chão.
Quando cheguei a Siliguri, uma destas cidades sem graça nenhuma, eram seis da tarde, estava a escurecer e tinha dois dos dedos da mão esquerda quase em sangue. Tive a sorte de passar à porta de um grande concessionário Honda. Pedi para falar com o gerente, expliquei-lhe a situação e ele tratou logo de me resolver o problema. Fui com um dos empregados e uma maneta nova de uma 125 a um soldador local que cortou a ponta dessa maneta e soldou ao resto da minha. Ficou um trabalho impecável e no concessionário não só não me deixaram pagar como me ofereceram um perfume de presente, provavelmente por estar a cheirar tanto a suor.